Sangue de Bairro, série fotográfica criada por Affonso Uchôa e Desali, funciona como um corpo vibrante que se constitui pela soma das partes formadas pelos retratos, os interiores das casas, os encontros nas ruas, a onipresença do reboco, os feixes da luz do dia que iluminam os adornos sobre a mesinha lateral, a pintura de cal, o boteco, os cães vadios que acompanham os bêbados na viela, o lençol amarrotado da noite divertida, o êxtase da noite anfetamínica.
A série foi realizada no bairro Nacional, na cidade de Contagem, na divisa com Belo Horizonte (MG), onde ambos os artistas nasceram e vivem. Cidade dormitório que abriga muitos trabalhadores que servem a capital, mas que lá não podem viver por ser economicamente inviável. A série flagra essas pessoas em seus momentos de descontração, intimidade, em família, no êxtase necessário para escapar da realidade em geral pouco benevolente.
Fotografias que transpiram, tecem relações, entregam um olhar afetuoso não por comiseração ou paternalismo, mas porque os dois lados da câmera se fundem num só. É nesse instante em que a representação subitamente se transmuta em apresentação. Não se trata mais de narrar sobre algo externo a si, mas sim sobre a sua própria existência, seu cheiro, suas cores, sua verdade interior.
Affonso Uchôa e Desali, ao nos apresentarem de forma encantada e descarnada essa vida pulsante da quebrada deles, criam mecanismos sólidos para que uma nova e emergente visualidade brote para reparar produções imagéticas que, em geral, tendem a gerar mais estigmas e manter o status quo de uma sociedade desigual e perversa.
Eder Chiodetto