Vão, de Bruno Cançado, no Museu da Inconfidência

Bruno Cançado
22 de abril a 18 de junho de 2023

Exposição individual de Bruno Cançado no Museu da Inconfidência em Ouro Preto

 

Programa de Intervenções de Arte Contemporânea
Curadoria Ana Avelar

 

Sólidas, como o edifício no qual estão instaladas, as esculturas-intervenções de Bruno Cançado evidenciam a resistência que a terra pode oferecer ao ser manipulada para edificar. Fortes como as pedras do prédio principal, trazem para o Museu da
Inconfidência – MdINC a sensação das construções feitas em taipa ou adobe – técnicas construtivas ancestrais que estão em todos os continentes, das Américas à Europa, da Ásia à África. No Brasil, tais técnicas constituem saberes adotados pela arquitetura vernacular desde a colonização até a contemporaneidade.

 

Cada escultura consiste na colocação de um bloco de adobe elaborado pelo artista, em formato de arco, sobre algum tipo de base – seja ela um móvel ou uma estrutura expográfica. Tais blocos guardam desenhos de diferentes arcos desenvolvidos ao longo da  história. Assim, revelam-se pequenas arquiteturas de barro, nas quais podemos reconhecer oratórios, lápides, janelas.

 

Os materiais e técnicas utilizados nas esculturas nos remetem ao conhecimento empírico e ao trabalho manual de nossa forma de construir. Do pau a pique aos tijolos cerâmicos utilizados em larga escala, o barro permeia nossa arquitetura e preenche nossa experiência doméstico-estética porque materializa nossos utensílios, bem como ornamenta nossas casas.

 

Na concepção deste trabalho inédito de Cançado para o MdINC, o barro revolve nosso imaginário coletivo auxiliado por essas formas extemporâneas. Parece estarmos diante de uma arquitetura mudéjar, aquela desenvolvida na Península Ibérica
partir de referenciais artísticos cristãos (românico, gótico e renascentista) combinados a elementos da arte islâmica, entre os séculos XII e XVI.

 

Variações dessa combinação aparecem na Europa e foram implantadas no continente americano, em
especial, em locais de colonização espanhola. Interessante notar como a arquitetura mudéjar guardou seu sentido de dominância do conquistador, mostrando a absorção cristã de elementos islâmicos. Nela, o tijolo é material fundamental. Seu mestre-artífice, detentor dos conhecimentos necessários a essa arte, é chamado de “alvanel” ou “alarife” – assim, o artista muçulmano passa a prestar serviços ao cliente cristão, dada a condição de dominância que se instala. Mais tarde, artesãos cristão vão apropriar-se dos conhecimentos do mestre muçulmano.

 

O sincretismo para o qual aponta a arquitetura mudéjar indica como, nesse processo de absorver elementos, ao mesmo tempo que matamos aqueles que são dominados, estes seguem vivos tornando-se parte de nós. Nesse movimento, alternam-se morte e vida, vida e morte.

 

Os arcos-lápides de Cançado indicam uma espécie de monumento, trazendo a lembrança de tantos braços anônimos que produziram a cultura material que nos cerca. Como arcos-oratórios, apontam para a diversidade de religiões que engendram os cultos praticados entre nós. Como arcos-janelas, emolduram as paisagens que aparentam tranquilidade, mas resultam de um mundo e uma história violentos.

 

Em Ouro Preto, a cantaria como arte de talhar blocos de pedra é recurso e saber tradicional; porém, apesar de ter abrigado um sem-número de mestres-artífices em seu ápice como polo artístico e cultural no século XVIII, tantos outros seguem anônimos, impedidos pelo iletramento de compor a História. Encontram-se no desconhecimento, bem como seus pares, os alarifes.

 

Diante da arquitetura majestosa, frequentemente nos esquecemos de que essas edificações são resultado das mentes e corpos de tantos indivíduos. Pensando com o filósofo francês Bernard Stiegler, via Ulpiano Bezerra de Menezes, museólogo e historiador brasileiro, “a matéria é a condição do espírito”. Em outras palavras, objetos e edifícios de barro guardam a inteligência daqueles
que o produziram.

Se “vão” refere-se a um espaço sem preenchimento, um vácuo, significando também que é vão aquilo que é inútil e sem propósito, os arcos de Cançado fazem presente esse incômodo daqueles que não foram reconhecidos. Vêm para acalmar os espíritos inquietos e nos fazer refletir sobre o processo de inclusões e exclusões das narrativas históricas.

 

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