Show!

Carla Fonseca, Desali, Enivo e Priscila Rooxo
De 10 de agosto a 6 de setembro

Simon Watson – curador

 

A cidade de Nova York no final dos anos 1970 e início dos anos 80 é quando comecei minha trajetória na cena de arte contemporânea. Eu era um visitante diário em estúdios de artistas em prédios abandonados, espaços de arte renegados em bairros devastados e nas laterais de edifícios, assim como em boates por toda a cidade. Foi nessa vibrante cena do centro da cidade que conheci e passei tempo com artistas e músicos que hoje são lendas. Foi um tempo tão vibrante. Foi uma época em que novas artes prosperaram e parecia que qualquer coisa era possível. Essa energia nova e vibrante de Nova York agora é coisa do passado. Uma memória, varrida por uma onda de bolhas, boutiques e bistrôs. Mas felizmente, aqui em São Paulo hoje, você pode sentir a conexão com a efervescência da cultura de rua; na verdade, é uma fonte de energia. Tem o perfume da possibilidade e o espírito jovem e dinâmico: anarquia e inteligência de rua fertilizados por um espetacular sistema educacional e a força motriz de dinheiro recém-emitido. Verdadeiramente, esta é uma cidade inspiradora. Em um bom dia, é como revisitar os melhores (e piores) momentos do Nova York dos anos 1980. Porque toda essa energia e vitalidade não estão sem a faca afiada da dor: lado a lado com grandes oportunidades e prosperidade está a desesperada miséria dos desabrigados, vidas deixadas de lado por esse motor financeiro internacional.

 

Como um andarilho global, neste exato momento e aqui em São Paulo, encontrei com mais frequência a energia fresca de uma nova geração de artistas emergentes. Das ruas para o estúdio, SHOW! é uma exposição de quatro artistas que celebra a força da luz urbana e da energia popular a ser encontrada nos centros urbanos do Brasil. Carla Fonseca, Desali, Enivo e Priscila Rooxo são de três das formidáveis capitais culturais da nação: Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo. Cada artista começou a produzir arte nas mais humildes origens, nas ruas, e ao longo dos anos, através de suas experimentações, desenvolveram práticas artísticas em estúdios multivalentes que, embora demonstrem uma profunda sofisticação na prática da pintura e no conhecimento da história da arte, mantiveram uma vitalidade focada.

 

O ponto de origem para esta exposição são as pinturas de Enivo. Fundindo milhares de rostos pintados nas ruas nas laterais de edifícios, suas caixinhas em exibição na AM Galeria fazem referência de maneira vívida à fusão dos complexos prazeres e desafios de viver em uma vasta selva urbana. Assim como um Heironymous Bosch contemporâneo, Enivo criou seu próprio “Jardim das Delícias Terrenas” pintado por dentro e por fora em uma série de caixas de vinho de madeira descartadas. Aqui existe um reino mágico de homens e mulheres performáticos, cães e cavalos brincando, emojis felizes, partes aleatórias de prédios abandonados… E sempre rostos. Tantos rostos. Às vezes sensuais, às vezes zangados. Tantas vinhetas, tantas histórias, tantos humores nesta vasta cidade imaginária.

 

Esse impulso de reutilização é um elemento importante entre os artistas emergentes de hoje. Trabalhando com tinta acrílica em pedaços de madeira reciclada, Desali cria pinturas de formato pequeno que muitas vezes geometrizam e distorcem figuras conhecidas, sejam pessoas, lugares ou coisas. As pinturas rústicas e sofisticadas de Desali começaram a vida como sobras recuperadas das ruas; ele então modela cuidadosamente esse detrito para formar delicadas armaduras de quebra-cabeça que servem como base para sua prática de pintura. Abrindo as pinturas para significados em camadas, alguns alegres e outros dolorosos — como se estivesse vendo Alfredo Volpi através de uma lente desgastada — as imagens pintadas de Desali e frases poéticas fazem referência poeticamente ao amor duro da vida nas ruas da periferia de Belo Horizonte.

 

E as ruas estão, é claro, cheias de corpos. Por uma década, o trabalho diário de Carla Fonseca foi tatuar. Ela fez desenhos em tinta e sangue. E é essa prática diária de perfurar a carne humana para fazer desenhos lineares em um corpo que agora informa sua prática artística. Suas pinturas sugerem fauna antropomórfica, aludindo sensualidade à anatomia humana e ao sangue correndo pelas veias e nos mais íntimos dobras de pele. Tingida de dor e erotismo, primordial e reveladora do subconsciente, a visão artística de Fonseca é uma vida íntima, rica e exuberante na selva. Fonseca faz pinturas de flores com um impacto. Informadas pelas tradições da arte modernista brasileira que remontam a Tarsila do Amaral, as pinturas de Fonseca estabelecem conexões diversas com o corpo humano e uma prática artística que ecoa as obras dos povos indígenas que pintam flora e fauna abstratizadas em seus corpos nus.

 

Corpos tumultuosos, contorcendo-se, envolvidos e dançando… A pura vitalidade da alegria corporal de estar vivo, povoam as pinturas de Priscila Rooxo. Ela aproxima os espectadores de sua comunidade nas periferias do Rio de Janeiro, uma área conhecida pela alta violência e criminalidade e pela falta de serviços e infraestrutura básicos. Visivelmente influenciada pelo graffiti e pelas manifestações culturais comumente associadas à periferia— e claramente explorando grandes temas de pobreza, exclusão social e o reconhecimento do papel das mulheres na sociedade— a prática de pintura de Rooxo retrata as pequenas celebrações de um povo que se eleva acima dos obstáculos cotidianos para tomar posse coletiva de suas vidas.

 

Carla Fonseca, Desali, Enivo e Priscila Rooxo convidam os visitantes a examinar e contemplar o mundo de novas formas. Eles e muitos de sua geração emergente estão se levantando com uma abertura e vitalidade que colocam a cena de hoje no palco internacional.

 

Agosto, 2024