MAFUÁ DE TRENS
É muito grande o número de descobertas científicas feitas ao acaso, a incidência é significativa a ponto de aconselhar as universidades a oferecerem cursos voltados ao estudo e a prática de erros. Ou às artes, o que dá, senão no mesmo, quase. Vejamos Claudio Cretti e este conjunto de trabalhos reunidos sob o título Mafuá de Trens. Há dez anos atrás, quando essa família de trabalhos começava a se esboçar, o trabalho de Claudio era diferente. E tudo indica que seguirá mudando, posto que sempre foi assim, nunca caminhou em linha reta, praticando linguagens distintas – desenhos, esculturas, performances, instalações –, frequentemente ao mesmo tempo, isso depois de um início pelo teatro, cujas lições corporais marcaram-no para sempre.
A catação compulsiva de objetos gerou o conjunto de obras que compõe essa exposição; o colecionamento de pequenas coisas encontradas em tudo quanto é lugar, as visitas sistemáticas, sob o ritmo da fração de sua curiosidade em férias permanentes, pelas feirinhas de antiguidades, onde objetos antigos, despejados da vida que levavam, exilados de seus antigos ambientes e do convívio com outros objetos, ganham uma sobrevida graças aos olhos atentos de gente como nosso artista, dedicado a garimpar preciosidades dentro dos escombros do passado. Sua curiosidade não se limita as bancas das feirinhas e aos armazéns fora do tempo e do espaço. Há também os monturos acondicionados em caçambas, dessas estacionadas diante de demolições, depósitos de tesouros imprevistos.
O resultado é que Claudio possui uma coleção de objetos desgarrados descansando em seu atelier, acomodação que pode demorar anos, até ele perceber que isto afina-se com aquilo, que um objeto deseja o encontro com outro. E quando isso se dá, o antigo traste, o que até então era tido como entulho, eleva-se num outro patamar. Assim, uma pequena barra de madeira, graças ao emprego de conexões de borracha, canos ocos, tubos termo-retráteis, engata-se, de um lado, a um cachimbo, de outro, à uma piteira, compondo um objeto insólito. Sublinhe-se o recurso a elementos pertencentes ao universo das instalações elétricas e hidráulicas, as veias por onde circulam a energia de uma casa, na construção dessas peças. Mas, acima de tudo, essas peças de Claudio Cretti celebram a ociosidade dos dedos quando as mãos se despregam do cumprimento das atividades ordinárias, escapam de seu peso para, livres, associadas ao espírito e aos olhos, urdirem construções estapafúrdias, pautadas na liberdade.
Agnaldo Farias