Trinca

Bruno Cançado
19/11/2016 a 17/12/2016

A AM Galeria tem o prazer em receber a primeira exposição individual do jovem artista mineiro Bruno Cançado. A mostra é composta pela produção dos últimos quatro anos, grande parte desenvolvida durante programas de residências no Brasil e no exterior.

Os 12 trabalhos nascem da investigação sobre a matéria, seus aspectos físicos e culturais, e sobre o próprio “fazer” da arte. O processo de produção e a experimentação com materiais diversos como concreto, cera de abelha, asfalto, papel, tijolo, cobre e carvão, originam um vocabulário de formas que perpassa a escultura, a instalação e o desenho. Encontramos o desejo do artista pela paisagem urbana, a arquitetura e o habitar. Os trabalhos se situam entre dois universos: o ambiente interno da casa, a esfera do íntimo e o lado de fora, o urbano; entre a velocidade da transformação da cidade e a permanência da tradição.

Em Relevos, um conjunto de obras em concreto armado, o artista reproduz uma das etapas da construção das paredes de um edifício. Com o concreto fresco, desenha com espátula, com colher de pedreiro e com o próprio dedo criando uma espécie de fragmento poético de construção. Nos desenhos Sem título, série iniciada em 2015 na residência em ProvinceTown [EUA] com o nome de Ensaio sobre o sólido, Bruno nos mostra exatamente o limiar em que trabalha: são desenhos escultóricos, massas de carvão que se fixam e cujo excesso se dissolve com o derramamento da cera de abelha derretida. O desenho “acontece” no papel e o acaso é incorporado como essência e de novo temos um “entre”: entre o papel e o carvão, entre o carvão e a cera. O artista perde o controle. Uma cadeira, um vaso, uma massa negra de pó de carvão. Nos desenhos de vasos, objeto que deve conter algo, recipiente cuja forma e função se perpetuam desde o passado mais remoto e que se mantém na história do homem, a cera vaza, flui pelo espaço como um líquido que não pode ser mais represado e que precisa expandir. Fixação, mudança de estados físicos, solidificação, expansão.

A partir desses desenhos surge Geometria da distância, escultura que equilibra um banco de fazenda, tijolos de cerâmica comuns e um vaso sólido de asfalto. O maior peso está em cima, o asfalto se equilibra delicadamente sobre a frágil cerâmica. Em Sem título [Estar], é o chão de concreto que sobe as paredes, uma folha que se dobra, é a casa viva como mágica. Bruno confere leveza a 250kgs de massa. Em Duplo, uma cadeira em concreto assenta sobre outra cadeira de madeira; dois corpos iguais executados de maneiras diferentes. Enquanto a madeira é recortada e montada, o concreto é um sólido único. De novo, o peso de um se equilibra e se encaixa silenciosamente sobre o outro, como dois corpos que se encaixam num jogo sensual.

Em Pilha, tijolos de 80cm de comprimento se empilham uns sobre os outros. Mais uma vez o artista testa o limite do material. Os tijolos são feitos em tiras longas de argila, que são cortadas antes da queima. Bruno pediu na olaria na Bahia que cortassem os tijolos o mais comprido possível. Após a queima, o material se retrai, o que antes era reto fica ligeiramente curvo e inapropriado para a construção.

Bruno entende que cada material possui uma procedência, passa por transformações, toma determinada forma e diferentes significados em nossa sociedade. Seu trabalho acontece a partir desta memória da matéria, como uma linha silenciosa que atravessa sobretudo o limiar entre a escultura e o desenho. O nome da exposição “Trinca” é a síntese do que acontece em sua pesquisa: uma trinca é um elemento possível na estrutura da escultura, um acontecimento que o artista, ao se deparar com a matéria, tem que enfrentar e realizar uma escolha, assumir a fissura, incorporar o acaso ou descartar a obra. A trinca é um “entre”, e é nessa dualidade que o trabalho de Bruno se desenvolve.

Com forte influência da Arte Povera [movimento artístico que se inicia na Itália na década de 60], o artista trabalha com materiais simples regularmente utilizados na construção civil brasileira e se preocupa com o caráter social e afetivo desses materiais. As obras evidenciam a busca por uma simplicidade de recursos e grande rigor formal e, uma vez instaladas no espaço expositivo, nos trazem um certo estranhamento e mistério. É no embate com a matéria que o artista descobre os caminhos que deve seguir.

Bruno Cançado nasceu em 1981 em Belo Horizonte, MG, onde vive e trabalha. Possui obras em diversas coleções particulares e em museus brasileiros como o MAC e o MAR.

Desde 2011 participa de várias exposições coletivas no Brasil e no exterior e tem sido contemplado com prêmios de Residências Artísticas nos EUA [Connecticut 2011, Omaha, 2013, Provincetown, MA 2014/15], no Brasil como o Instituto Sacatar, BA [2015/16] e em especial o Prêmio de Bolsa Residência Artística ICCo da Feira SPArte 2014 na Fundação Bienal de Cerveira, em Vila Nova de Cerveira, Portugal. Em 2012 também foi premiado pelo Programa de Intercâmbio e Difusão Cultural do Ministério da Cultura Brasileiro para a realização da mostra Drawing To No End em Portland, EUA.