A exposição “Bom dia, senhora Maria Helena Andrés. Bom dia, senhor Almandrade” tem seu título inspirado em uma tela do pintor realista francês Gustave Courbet intitulada “O encontro, ou “Bom dia Senhor Courbet”, na qual o artista se autorretrata sendo cumprimentado por amigos que casualmente encontra no caminho para mais uma sessão diária de trabalho. É esse espírito de informalidade e, ao mesmo tempo, de uma espontânea e incalculada reciprocidade que marcam a junção em um mesmo espaço das obras dos dois artistas brasileiros de gerações e histórias diferentes: Maria Helena, centenária (tendo sido realizada em 2022 uma retrospectiva de sua obra), adentra o mundo da pintura na efervescência das disputas entre figuração x abstração; com Almandrade, por sua vez, ocorre o inverso – ele inicia sua carreira imediatamente após o surgimento da “Nova Figuração” que marcaria um ponto de inflexão na arte brasileira desde a segunda metade da década de 1960, ocupando o protagonismo antes exercido pelos movimentos de tendência construtiva.
Há dois pontos de contato logo reconhecíveis, não obstante essas particularidades do percurso de cada um: o primeiro é a geometria, marcante nas séries aqui presentes como um idioma comum, mas que tem fundamentos específicos para cada um. Por outro lado, o segundo ponto, ao se observar a datação de algumas obras, é a revelação de um aspecto interessante: é no início dos anos 1970, quando Maria Helena se desloca da abstração geométrica (e após uma retomada de pinturas gestuais), que a artista realiza Fotograma Espacial, uma colagem na qual ela responde brevemente a influência da Pop. Mais ou menos nesse mesmo período, Almandrade cria alguns de seus primeiros desenhos e gravuras nos quais também se cruza a Pop (a composição inspirada nas histórias em quadrinhos) com a limpidez e ascetismo de traços com reverberações simultâneas da arte conceitual, da poesia concreta e do Poema Processo. Temos naquele momento, portanto, do ângulo de Maria Helena Andrés, um ponto de chegada, fruto de uma vivência e acompanhamento da abstração geométrica e construtiva no Brasil vinda desde os anos 1950, enquanto para o artista baiano as questões artísticas dos anos 1970 são o seu ponto de partida, e os desafios da arte concreta, do neoconcretismo e outras tantas vertentes construtivas já são reconhecidos como um legado histórico.
Mas se trouxemos aqui uma breve nota histórica, devemos acentuar que nesta exposição, as obras mais antigas especificamente selecionadas nos permitem pontuar aspectos dos trabalhos mais recentes, chamando-nos atenção, no caso de Maria Helena Andrés, não só para a intensidade de seu ritmo de trabalho ainda hoje quanto para sua retomada das composições geométricas, revisitando sua própria produção. Se, além das colagens, considerarmos as esculturas que produz, nas quais acontece a transição do plano para o espaço, temos mais uma frente de diálogo com Almandrade, que executa manobra semelhante (e nas duas direções – tanto do plano para o espaço quanto inversamente), a qual se acrescenta a poesia, que estabelece uma situação na qual as fronteiras entre pintura, escultura, poesia e objeto se desfazem.
Sabemos o quanto encontros na arte, duradouros ou fortuitos, programados ou incidentais, são capazes de lançarem novos olhares, abrir novas frentes, como nos lembram as histórias de grupos, parcerias e longevas cumplicidades. O cruzamento que propusemos não insinua a convergência de uma nova plataforma ou programa, posto que cada artista tem seu percurso traçado. No entanto, pela sua abertura de referenciais geracionais e geográficos, ele reforça algo hoje sabido, mas a cada vez que revisto, tanto mais promissor se confirma: um entendimento da arte construtiva no Brasil sob um prisma crescentemente plural e diversificado. Encontros felizes e de uma sincera cordialidade – tal como este – são ocasiões de um frescor especial.
Curadoria Guilherme Bueno