Ao chegar a uma nova cidade, o viajante encontra um passado que não lembrava existir: a surpresa daquilo que deixou de ser ou deixou de possuir revela-se nos lugares estranhos, não nos conhecidos. (Italo Calvino: As cidades invisíveis). Nas descrições de Marco Polo ao imperador Kublai Khan, as cidades pelas quais viaja não se assemelham, mas todas se espelham na percepção do contumaz viajante.
Humberto Guimarães nasceu em Sabará, cidade onde vive e trabalha. Além do desenho, a música fez parte do seu universo familiar e pessoal. É incerto afirmar quando a cidade começa a habitar o artista e, por ele constantemente retraçada, passa a configurar uma cartografia afetiva, entoada pelas linhas do bico de pena ou pelos arpejos sinuosos dos pincéis de sua aquarela.
A cidade que habita Humberto Guimarães mostra-se ora sem limites, ora sitiada ou labiríntica; e seus relevos, casas, ruas e vegetação são postos em delicada confluência. Ela mesma – ou talvez o próprio artista – sempre se desdobra em inúmeras e diversas faces. Diante da obra de Humberto, é inevitável tecer paralelos com artistas como Wassily Kandinsky e Paul Klee. Assim como Guimarães, eles exploraram a expressão artística rompendo limites convencionais, distanciando-se da reprodução do visível e criando uma linguagem visual autônoma e subjetiva, baseada, cada qual, na própria individualidade.
Kandinsky (1866-1944) buscou evocar a sonoridade por meio das cores e formas, criando uma sinestesia entre as artes visuais e a música. “O artista é a mão que deliberadamente faz a alma vibrar por meio dessa ou daquela tecla.
Assim, é claro que a harmonia das cores somente pode ser baseada no princípio de tocar a alma humana”, diz Kandinsky. Klee (1879-1940), por sua vez, explorou em suas obras as conexões entre formas e símbolos, criando uma espécie de escrita pessoal que transcendeu o expressionismo. Esses artistas demarcam um contexto histórico e artístico importante para compreender a gestalt e o processo de leitura das obras de Guimarães.
Engana-se aquele olhar que interpreta o gesto do artista como ingênuo ou voluntarioso, pois trata-se, como nos desenhos e pinturas de H.G., de uma expressão desconcertantemente espontânea, onde há generosa entrega de intimidade.
“Acordes para uma cidade” é uma exposição que nos convida a uma viagem singular, onde escrita e cartografia se fundem em obras de extrema delicadeza e lirismo, transportando-nos para o universo fecundo e lírico de Humberto Guimarães, onde é possível captar os acordes que emergem das formas, cores e linhas traçadas em suas composições.
A delicadeza de que se acerca o trabalho de Humberto Guimarães é marca indelével de sua produção artística. Cada linha é livremente traçada, revelando a precisão e a sensibilidade do artista, traduzidas em nuances e sutilezas: traços de afeto. Seus desenhos e pinturas reverberam a sutil melodia de sua caminhada, convidando-nos a uma imersão profunda, obra a obra, numa jornada mitológica que requisita o olhar contemplativo e reverente do espectador.
Curadoria de CLAUDIA RENAULT E PAULO SCHMIDT