“Como se supõe terem sido os presépios, feitos por religiosos no Brasil do período colonial, as origens de muitos figurados de barro hoje existentes entre o povo, por acaso foram também eles que deram origens aos primeiros trabalhos de Lira.
Sua mãe, Odília, no tempo de Natal fazia vários que dava para vizinhos e amigos. E então, vendo isso, diz Lira, ‘eu comecei a fazer coisinhas pequenininhas, mas de ceras de abelha, cera que meu pai usava para passar na linha que costurava sapato’.
Foi pegando gosto, e começou a cavacar barranco e tirar barro para fazer outras coisas. Mas como não conhecia ainda o barro apropriado, as peças às vezes rachavam. Também não eram cozidas, secavam no sol depois de prontas para endurecer. Procurou então em Araçuaí uma amiga mais velha, Joana Poteira, parente do pessoal de seu padrasto, que a ensinou a tirar barro de frente no barreiro – inclusive obedecendo as fases da lua -, e a queimar, isto é cozer no forno. (…)
Foi também através da rede familiar que Lira teve acesso a livros que a interessaram. Iano Tomás, de quem a avó era prima da avó de Lira, lhe emprestava esses livros. História, Filosofia. Assim é que ela se iniciou na arte de maneira autodidata, fazendo busto de mulheres, de filósofos, sem pensar em vender. Mulher pobre, morando com a família no alto do morro, filha de lavadeira e de sapateiro, subempregos que restaram aos negros depois do abolicionismo, mais preteridos ainda que os demais pobres das oportunidades de trabalho de melhor qualificação, Lira foi buscar onde pode as aberturas para o encontro da sua identidade e da sua autoexpressão. Trabalhou também como lavadeira desde menina, e foi cursando o primário quando as circunstâncias permitiram, até a sexta série primária.
A grande virada em sua vida se deu na década de 70, quando entrou em contato em Araçuaí com o Campus Avançado da Universidade Católica de Minas Gerais e conheceu frei Chico, tudo ao mesmo tempo.
Os estudantes de ciências sociais, agronomia, vindos através do Projeto Rondon por convênio feito entre a PUC e a diocese de Araçuaí, em 1974, gostaram do trabalho de Lira, que levaram para feiras de artesanato, sob a coordenação, entre outros, de Tereza Coelho e Waldir Oliveira. Vinham para a casa de Lira vê-la trabalhar, conversar, compravam peças também. Aos poucos os bustos de filósofos foram sumindo e aparecendo a primeira série de trabalhos da artista relacionados com a vida e sofrimento do povo do Vale”.
(FROTA, Lélia Coelho. A lira do Vale – Ceramista e musa do Jequitinhonha, 1994).