Curadoria Emmanuelle Grossi
“Paris, 17 de fevereiro de 1903.
Prezadíssimo Senhor,
Sua carta alcançou-me apenas há poucos dias. Quero agradecer-lhe a grande e amável confiança. Pouco mais posso fazer. Não posso entrar em considerações acerca da feição de seus versos, pois sou alheio a toda e qualquer intenção crítica. Não há nada menos apropriado para tocar numa obra de arte do que palavras de crítica, que sempre resultam em mal-entendidos mais ou menos felizes. As coisas estão longe de ser todas tão tangíveis e dizívies quanto se nos pretenderia fazer crer; a maior parte dos acontecimentos é inexprimível e ocorre num espaço em que nenhuma palavra nunca pisou. Menos suscetíveis de expressão do que qualquer outra coisa são as obras de arte, — seres misteriosos cuja vida perdura, ao lado da nossa, efêmera.”
Rainer Maria Rilke
Inspirada no livro “Cartas a um jovem poeta”, do alemão Rainer Maria Rilke, a AM Galeria apresenta, entre 04 e 26 de agosto, a exposição coletiva “Carta Paisagem”.
Segunda coletiva do projeto “Boletim ou Shortcuts”, a mostra reúne obras que remetem a temas masculinos e da figura paterna. “A narrativa é construída como se fosse uma carta dirigida a um pai imaginário. Tudo acontece a partir da força da palavra”, afirma Emmanuelle Grossi, diretora da AM Galeria e curadora da exposição, que traz peças de Carlos Cruz-Diez; Dan Fialdini; Franco Bubani; Judith Lauand; Livia Paola Gorrésio; Lygia Pape; Nelson Leirner; Ricardo Homen; Sylvia Amélia e Valentino Fialdini.
Nela, a curadora escreve uma carta a seu pai – que podem ser todos os pais – revelando, através das obras expostas, lembranças, viagens, memórias e aprendizados. Na exposição um balcão com cadeira, papel, caneta e envelopes selados poderão ser utilizados pelos visitantes para escreverem suas cartas. Essas cartas podem ser lacradas e depositadas na caixa do projeto. As cartas com destinatário serão enviadas pelo correio ao término da exposição. As sem destinatário farão parte do arquivo do projeto Boletim ou Shortcuts #02. O visitante também pode levar a sua carta. A escolha é livre.
O título da exposição “Carta Paisagem” foi tirado da belíssima obra da jovem artista mineira Sylvia Amélia. A obra consiste em três delicadas colagens de palavras recortadas em papel de parede colorido. As palavras remetem ao aprendizado e o papel de parede que reveste casas e que por sua vez retém memórias dos acontecimentos ali vividos.
Passando pela exposição encontramos 3 serigrafias cinéticas do venezuelano Carlos Cruz-Diez [Caracas, 1923], da série de 7 trabalhos, os dias da semana, nomeadas segundas, terças, quartas… é o passar dos dias, o tempo de convivência, a rotina. Os dias vividos e não vividos, os que se perderam e aqueles que ainda estão por vir. A obra segue também como um prisma que separa a luz em cores do espectro, as cores do arco-íris, a imaginação, a fantasia, a criança.
Depois passamos à obra da concretista Judith Lauand [Pontal, 1922], um jogo de varetas que é seguida de perto pela pequena caixa “Sotheby’s”, obra de Nelson Leirner [São Paulo, 1932] onde encontramos uma colagem de souvenir de futebol sobre um catálogo de leilão de arte internacional. Aqui, é a hora de brincar. Assim como no trabalho interativo “Be my guest” da jovem artista Livia Paola Gorresio com suas grandes varetas de madeiras coloridas. A cor se materializa.
Mais adiante a imponente fotografia de Franco Bubani do Real Gabinete Português de Leitura [Rio de Janeiro] como símbolo do conhecimento, do amor aos livros e às palavras, de tantas histórias contadas e aprendidas.
Ainda, a obra de Lygia Pape, um nome escrito em mandarim – que nome? -representando a força do nome que carregamos, que nos é dado como uma forma de herança.
Pequenas esculturas de navios, palmeiras e casas em mármore de Dan Fialdini representam as viagens, vividas e imaginárias, retiradas dos contos infantis, talvez um pouco fantásticas. “Favela” e “White Cube – Green”, fotografias de Valentino Fialdini e a série de 9 pinturas de Ricardo Homen falam das paisagens, da terra, de minas, da natureza e do trabalho.
O verde da fotografia de Valentino fala também da esperança, saúde e liberdade. É vida. Está associada ao crescimento, à renovação e à plenitude. Equilíbrio.
Por fim, um envelope gigante em papel oriental de Nelson Leirner – “Série Oriente” traz a mensagem dentro dela, o mistério. Talvez, nessa Carta Paisagem estejam nossas memórias, nossas dores e alegrias, e possamos contar histórias aos e dos nossos “jovensvelhos” pais.
Sobre o “Projeto Boletim ou Shortcuts”
O projeto consiste em uma série de ações esporádicas, ao longo de 2014, como a exibição de curtas; mostras de pequena duração; exibição de filmes; conversas com artistas e curadores; cursos na área de artes; performances e ações na área cultural.
Ao fim de cada ano do projeto, um boletim/revista será publicado com todas as ações desenvolvidas durante o período. “Essa foi uma maneira que encontramos de enriquecer e ativar ainda mais o circuito de arte da cidade e ampliar a interlocução com o que está acontecendo no mundo. A intenção é proporcionar diferentes experiências artísticas e gerar um material de pesquisa, uma publicação que possa ser distribuída gratuitamente.”, assegura a diretora artística. Boletim ou Shortcuts é uma referência direta às 156 edições do “Art & Project Bulletin Amsterdam”, projeto artístico de Geert van Beijeren e Adriaan van Ravesteijn realizado entre os anos de 1968 e 1989.