Os pombos aninham-se nos terraços e no “fértil” terreno das cidades. Observam e são a todo instante observados. Saguis teimam, pulando de galho em galho, enquanto a mão invisível prossegue em sua interminável tarefa. Bem sabemos: galinha que acompanha pato morre afogada.
Mas não, não é nada disso que você está pensando…
Submerso na realidade surreal do neoliberalismo, o país viveu, por alguns instantes, o leve suspiro da esperança. A esperança, pra lembrar Spinosa, essa paixão triste. Um avassalador sopro desenvolvimentista sucedeu ao que muitos, nem todos, pensavam ser o princípio de uma transformação política. A mudança que um grande número de pessoas reivindicava veio através do consumo, com o braço forte do mercado e do Estado a verter automóveis, eletrodomésticos, tvs de plasma e um significativo número de casinhas em série, afastadas da cidade, novamente na periferia dos sonhos. Aqueles, cuja lógica se afasta da do capital, indígenas, quilombolas, ribeirinhos, camponeses, urbanos desgarrados continuam, em sua insubordinação, a viver, a única coisa que nos é dada a fazer.
As cidades, em um fluxo que já se instaurara, pólis empresa, prosseguem no exercício incessante de evocar uma determinada ordem regida pelo concreto, pelo esvaziamento da socialidade e pelos dutos que financiam as campanhas eleitorais. E que se cerquem as praças, os parques e se apaguem as escrituras que rasgam o tecido urbano expondo suas feridas… A bola rola na contramão da festa popular e avessa ao seu poder perturbador!
Ao mesmo tempo outros mundos se conformam a partir do encontro e da articulação dos “rebeldes”. Gritos inflamados reivindicam autonomia, gestos e ações quebram a ordinária estrutura dos eventos e dos espaços constituídos. A efervescência coloca em movimento os movimentos, o afeto (re)liga as pessoas. E é quase como se fosse nada e por isso mesmo decisivo porque nada é. É imprescindível que nos inquietemos! Vida é inquietação! É imprescindível que nos indignemos!
Em tela, sob fortes traços, a transfiguração dessa história recente.
Rafael Barros