LEONORA WEISSMANN
Agnaldo Farias
2010
Há um frescor pouco comum hoje em dia nessas pinturas da jovem Leonora Weissmann, a Loló, uma curiosidade infatigável por pessoas e paisagens, no mais das vezes representadas com a naturalidade desses registros fotográficos despretensiosos, feitos com a finalidade de capturar uma cena ou um momento singelo e tocante, protagonizados por gente que nos é querida – pai, mãe, crianças, um amigo que se mudou para um sítio – ou por fragmentos da natureza que nos surpreendem pela variedade cromática ou pelo mosaico de formas cambiantes produzidos pela luz solar.
De saída folheamos este catálogo ou visitamos sua exposição, a primeira individual que ela realiza em São Paulo, com um sentimento próximo, a mesma sorte de simpatia que se desprende quando nos detemos num álbum de família que não a nossa ou encontramos dentro de uma gaveta uma coleção de imagens que não nos pertence embora no fundo e estranhamente nos seja bastante familiar. Mas é uma sensação que aflora somente no primeiro contato, quando ainda estamos sob o efeito da desatenção habitual que nos leva a suportar um cotidiano no geral insípido. Pois em seguida vemo-nos repassando essas pinturas uma a uma, intrigados pelo aparente prosaísmo dos motivos representados, percebendo que eles são produzidos com uma qualidade incomum, fundada na bifurcação, no trato equilibrado de dois aspectos: de um lado, os enigmas persistentes e ilimitados da figura humana e da paisagem e, de outro, a defesa da pintura, com seus atributos tão especiais, como meio mais adequado para dar conta deles.
Pessoa e paisagem; pessoas metidas em paisagens; pessoas tratadas como se fossem paisagens; paisagens. Para começar, o que é um rosto senão uma paisagem, especialmente quando apresentado em grandes dimensões, em formato vertical, como um espelho colocado à nossa frente? O rosto, essa fonte inesgotável de mistério, nos é apresentado em versões variadas, consoante os diversos modelos de que a artista se vale: sérios e sorridentes, compenetrados e pensativos ou com o desajeito típico de quem não se sente a vontade posando. Junto com isso vem a cuidados modelação de cada imagem, o evidenciamento de suas depressões e saliências mais ou menos suaves, as áreas sombreadas, o contorno dos cabelos e das sobrancelhas, o desenho escandido da armação dos óculos. Como também nos chama a atenção a geometria espontânea ou organizada dos braços e pernas, o modo como as duas meninas avançam no meio do mato equilibrando-se com os braços abertos, um homem acomoda-se inclinando seu tronco sobre um guarda corpo, uma mulher abandona-se descansando sobre uma pedra, dois homens, registrados de frente, celebram sua amizade num abraço mútuo, uma mulher sentada com as pernas desalinhadas surpreende-nos pelo feerismo cromático de seu vestido, as linhas verticais exaltadamente coloridas que capturam e alimentam nosso olhar.
Pinturas como essas desaceleram nossa atenção obrigando-a a focar, fazendo com que notemos o alto grau de liberdade que a artista dá às suas pinturas, liberando-as para ir além da simples representação veraz daquilo que se vê. Roxa, rosa, azul, amarela, cada calça ou camisa é pretexto para tramas delicadas, complexas urdiduras de cores, variações de tons que oscilam de soluções intimistas até acabamentos ruidosos. E o que dizer dos espaços onde as figuras se inscrevem, sobretudo aquelas que não se inscrevem em paisagens naturais, como os dois meninos ou a menina solitária com o cabelo encaracolado e os braços colados ao corpo? Estão todos eles suspensos no ar, submersos em atmosferas densas, turvadas por texturas esmaecidas, variadas quanto ao acabamento e matizes tonais.
Há, por certo, uma homologia entre essa compreensão da natureza da pintura e a música, de resto o outro território freqüentado por Loló. E essa constatação se evidencia no modo dela tratar a paisagem, pensando-a sempre como uma massa de timbres, um amálgama de formas e cores. Com seus troncos, galhos e folhagens, as árvores e as massas de vegetação são pretextos para digressões sobre o verde, expansão do horizonte de tons possíveis interrompidos aqui e ali por irrupções de cores contrastantes, associados a uma miríade semelhante de formas, do ritmo frenético de linhas curtas verticais ou horizontais justapostas à vórtices circulares, tudo isso combinado com acontecimentos mais organizados, provenientes de um desejo de ordem. Do mesmo modo superfícies aquáticas e colinas de pedra, cujas sobreposições e transparências sugerem procedimentos próprios a técnica de aquarela, são o álibi para que a pintura se afirme como um modo peculiar de produzir o visível, uma exaltação da certeza de que a linguagem nasce do contato com o mundo mas não se confunde com ele. E talvez resida justamente aí o encanto desencadeado pelas pinturas dessa jovem, que ousam, abordam o familiar para demonstrá-lo como infinito, passível de ser incessantemente renovado.