PROJETO PORTFOLIO 2023

Andrey Rossi – Cesar Machado – Isabel Ávila – Naira Pennacchi – Nina Horikawa
14.02 a 11.03.2023

A AM Galeria de Arte, com o Projeto Portfolio, exposição de abertura de sua programação de 2023, apoia em Belo Horizonte uma iniciativa incorporada ao calendário do circuito de arte de outras grandes capitais: promover uma mostra que, mais do que propiciar oportunidades, consista na divulgação ampliada da produção de jovens artistas com uma linguagem consolidada, fato por si só importante, quando consideramos a contribuição marcante de inúmeros seja de artistas mineiros, seja de iniciativas institucionais de amplitude nacional aqui realizadas, para a arte brasileira ao longo de sua história. Resultado de encontros variados, temos aqui obras de Andrey Rossi, Cesar Machado, Isabel Ávila, Naira Pennacchi e Nina Horikawa.

 

Chama-se atenção, no entanto, para um enfoque que não é o de pretender estabelecer uma noção fechada e definitiva de uma “geração”; ao contrário, a pluralidade de temas, por vezes de abordagem de uma mesma linguagem (como aqui observamos na comparação entre algumas pinturas presentes na mostra), exemplificam os diferentes caminhos que pavimentam a arte contemporânea. Tomemos por exemplo a pintura: tanto Cesar Machado quanto Naira Pennacchi revisitam a abstração partindo da sua materialidade. Em Cesar, o contraste entre o rigor da grade, a superfície pastosa e o halo da gordura do óleo assentado sobre o papel exploram o contraste entre a operação “mental” de organização do espaço pressuposta pela grade (uma questão reincidente naquilo que chamamos de uma tradição construtiva da modernidade) e o seu contraponto empírico, circunstancial (controlável ou não), que retorna esse princípio idealizante para a contingência real dos materiais, ao mesmo tempo em que cria gradações de luz para um plano de cor que quase transborda para a frente e, com isso, cria um terceiro eixo de orientação saindo do plano – com algumas anotações que sugerem coordenadas – em direção a tridimensionalidade da camada espessa de tinta. Naira cria paisagens nas quais se desfazem os limites entre o observado, o lembrado e o imaginado, resultando em imagens que se transformam na passagem de um plano para o outro, criando uma atmosfera em que a evocação – que nos transporta para um espaço no qual os contornos se dissolvem – se vê, não obstante, infiltrada na presença, na concretude da pincelada, do arrasto do pincel, indicando que, se há uma “vida” na matéria pictórica, ela não é fruto de um sopro, mas de um processo efetivo dos gestos da pintura, que deixam rastros de suas ações, como uma cristalização das decisões da artista que vão pouco a pouco transfigurando suas imagens.

Transfigurar é um termo que nos aproxima também dos trabalhos de Andrey Rossi, cujas paisagens e cenas de interior elaboram uma dualidade entre a minúcia e limpidez com que apresentam todos os objetos e a sensação de mistério, criando uma incerteza decorrente da nitidez, numa dupla evocação ao sublime da pintura romântica. O aspecto marcante de suas obras é que essa impressão de um fantástico que as perpassa atrela-se, simultaneamente, a paisagens corriqueiras presentes na vivência do artista e a um tipo de registro que não deixa também de fazer menção a uma “objetividade” reivindicada pelos antigos pintores viajantes.

 

 

A imagem e seu poder de construir narrativas dão a tônica das obras de Nina Horikawa e Isabel Ávila exibidas.  Ambas artistas se apropriam de fragmentos, fazendo-nos perceber a partir deles os diferentes sentidos descortinados pela imagem conforme sua edição. As pinturas de Nina trazem uma dimensão do privado, seja no registro de uma cena íntima, seja em composições casuais (um pequeno vaso com flores, um telefone fantasiado com um paetê) que sugerem os acasos disparadores de pequenas surpresas com os quais se topa no cotidiano do espaço doméstico – flagrantes de um imprevisto poder “mágico” infiltrado no banal (afora o interesse pictórico em si dos objetos, não menos importante). Por sua vez, os enquadramentos “cortados” em pequenas telas parecem incorporar na visualidade da pintura a simultaneidade e “mosaico” da tela do computador com que convivemos recentemente, que esgarçaram o limite entre esfera pública e particular. Isabel investe sobre o problema da representação, ao enfatizar a relação entre a figuração e a construção de tipos (e estereótipos). Trabalhando com sobreposições, estruturadas na escolha de um motivo chave (a repetição de sequências encenadas em torno de uma mesa), emergem as camadas de gestos e rituais sociais marcando hierarquias, definido papeis. Esse conflito entre ser e ser designado, inclusive com slogans que disfarçam seus imperativos, aparece na escolha de um objeto vinculado ao imaginário (o “erotismo” implícito ao biombo) ou na sobreposição entre o reflexo da pessoa que se vê nos espelhos e aquilo dito para ela, apontando para a ideologia inerente aos meios de comunicação e publicidade.

 

Tratando-se da versão inaugural de uma programação que intenta prosseguir nos próximos anos, acreditamos que, numa perspectiva ampliada, o Projeto Portfolio assinalará uma valiosa contribuição para o circuito de artes visuais, desenhando um dos muitos perfis possíveis para os muitos rostos da arte brasileira contemporânea.

Guilherme Bueno – Curador da exposição