FERNANDO RIBEIRO, 4 DE SETE – O LIVRO VALISE, ENTRE OUTRAS OBRAS PARALELAS

Fernando Ribeiro
01-12-21 a 22-01-22

Segundo os físicos, pelo menos alguns deles, há um universo de antimatéria que espelha o nosso. A hipótese, ainda que exceda por completo a capacidade de compreensão da maioria daqueles que não são físicos, como é o meu caso, parece-me extraordinária, afigura-se como uma conjectura de grande beleza. Pois a exposição que Fernando Ribeiro traz para a AM Galeria, uma série recente de pinturas/objetos, alimenta-se da possiblidade de um universo paralelo. Fernando refez com o apuro de mestre artesão que lhe é característico, um conjunto das mais conhecidas pinturas da história da arte moderna e contemporânea. Há uma bandeira de Jaspers Johns, um febril exemplar produzido por Jean-Michel Basquiat, uma tela de Mondrian -na verdade duas-, o mais festejado nú de Tom Wesselman, os pássaros impossíveis e ambivalentes de Escher, a onda de Kanagawa, clássico de Hokusai, e a indefectível Guernica, é claro, pois pensar na arte do século XX sempre levará a Picasso. Há outras obras mais na exposição, embora o elenco total só seja encontrado no livro, a bem dizer um livro valise, exposto sobre uma mesa na sala da galeria. Entre todos os artistas cujas obras foram -copiadas? transpostas?-, o destaque corre por conta de Marcel Duchamp, alvo de duas menções: o urinol, que originalmente levava o nome Fonte, transposto numa pintura objeto, e uma segunda obra, a rigor a responsável pelo desencadeamento do projeto, a Boîte-en-valise.

 

Entre 1935 e 1940 Duchamp produziu 20 caixas de luxo, 20 exemplares do que ficaria conhecido como Boîte-em-valise (caixa-maleta – museu-mala, como se queira), uma solução engenhosa de armazenamento, transporte e exposição de uma antologia de suas principais obras, entre elas o controverso urinol, apenas que miniaturizados. Uma galeria portátil, um museu liliputiano, e com isso a alusão a Jonathan Swift vem de permeio, como também seu parentesco com o bolo que ao comê-lo fez Alice, em Alice no país das maravilhas (clássico de Lewis Carrol, escritor, matemático, fotógrafo…, um polímata, enfim) diminuir de tamanho e com o líquido que a fez crescer.

 

Físicos, matemáticos, escritores, artistas e toda classe de gente imaginativa são interessados em grandezas, no caráter relativo das dimensões. Com suas caixas, Duchamp, de quebra, reforçou o fato de que museus são, a um só tempo, adensamentos espaciais e temporais. No caso das suas valises, podiam ser abertos em qualquer lugar a preceito, por exemplo uma mesa, e os objetos se desdobrariam, desencolheriam, floresceriam como um jardim de ideias imprevistas.

 

Fernando trabalhou nesse caminho. Produziu uma caixa e inventou uma história sobre um viajante espacial especialmente interessado em obras cujas particularidades assemelham-se ao que conhecemos como obras de arte. Vindo de um outro universo, enveredou pelo nosso planeta, ou melhor, num planeta que não o nosso, embora próximo. Nosso planeta espelhado? A prova é que todas as obras encontradas por ele, como parcialmente se pode constatar nas paredes da galeria e nas reproduções minúsculas embutidas na sua caixa-maleta, embora pareçam-se terrivelmente com obras nossas velhas conhecidas, são diferentes. Acometidas de alguns defeitos. Defeitos? Bem, talvez não se trate disso, talvez isso se deva as previsíveis deformações que o trânsito por universos paralelos deve provocar.

 

Por isso a mesma pintura de Mondrian gera duas pinturas: uma maior outra menor, sendo que a maior é de fórmica; a primeira estrela da direita, situada na extremidade superior da bandeira americana realizada por Jasper Johns, é um objeto -estrelado, sem dúvida-, feito de porcelana; a parte do osso frontal da Caveira – Cabeça, de Basquiat, pode ser deslocada como esses livros infantis interativos, repletos de surpresas súbitas; o branco e preto que notabilizou a Guernica, resvala parcialmente na cor. Há outras intercorrências, mas convém não avançar por esse território misterioso composto pela fusão da arte, com a ciência e a imaginação, melhor deixar o leitor a sós.

 

Agnaldo Farias