Escultor e pintor
Ângelo Oswaldo de Araújo Santos
A obra escultórica de Jorge dos Anjos apresenta uma grande riqueza morfológica, mas para perceber essa variedade de formas e a sua complexidade, como para fruir intensamente o fenômeno estético que enreda, é preciso que o espectador atravesse todo o território à primeira vista situado aquém do universo prestes a se revelar.
Ao cifrar um alfabeto novo, tão genuíno quanto ancestral, ele alcança fascinante originalidade a partir de referências a afrografias, palavra que tomo à escritora Leda Martins. Conferindo aos vocábulos da dicção afro-brasileira o tratamento inovador de uma elaboração construtivista, o seu geometrismo tem o vigor da criação contemporânea e a emoção da origem atávica. O corte concretista incide sobre os afro-signos de modo a desbastar a forma, estimular a concisão e consagrar o menos sobre o mais.
Rubem Valentim, na pintura, trabalhou essas matrizes geométricas em infinitas possibilidades impulsionadas pela cor. Na escultura, Amílcar de Castro foi o mestre do rigor e da síntese. Em ambos os campos, porém, Jorge dos Anjos surpreende pela força de uma linguagem própria, que o distingue como criador.
As superfícies de feltro em que faz incisões com ferro em brasa, que evocam a maneira dos suplícios infligidos aos escravos, são uma pintura instigante, como resultado plástico-visual, e perturbadora, pelo estremecimento da memória. Ele pinta a ferro e fogo, e na obra arde o resgate histórico por sob a convergência lúdica dos signos. As esculturas, em depuração formal que jamais elimina a reinvenção do gesto, têm o caráter totêmico que as monumentaliza e lhes atribui solene valor iconográfico. Como pintor e como escultor, seu trabalho alcança a depuração formal que só faz enriquece-lo pela contundência do resultado.
Nascido em Ouro Preto, Jorge dos Anjos faz escultura com chapas de ferro e já empregou a pedra sabão em belos ensaios tridimensionais. O artista está entre os mais reconhecidos da atualidade brasileira e realizou apresentações no exterior.