Inquiet(ação)

Antonio Bokel
04/08/2018 a 03/09/2018

VANDA  KLABIN  / curadora

AM GALERIA – BELO HORIZONTE

 

A trajetória artística de Antonio Bokel é uma das ricas e variadas da sua geração. Beneficiário de uma liberdade contemporânea, a órbita poética de suas experimentações artísticas tem outra duração, outra intensidade. O crítico de arte Giulio Carlo Argan declarou em seu livro A arte moderna que “a arte não é mais a representação do mundo e sim uma ação que se realiza”. Antonio  Bokel trabalha com a corrosão do conceito de arte, ao utilizar um equipamento crítico que remete, pelo seu repertório prolixo, a intervenções transformadoras. Suas obras são experiências multidirecionadas, inquietas e interrogativas. São evidências de sua postura crítica de resistência à tessitura urbana, desordenada e anônima, que é apropriada pelo olhar do artista como um ingrediente ativo, revigorando os espaços públicos e os transformando em acontecimentos estéticos. Observa-se nas suas obras, um constante cruzamento entre a arte e o tecido da vida urbana, como partes constitutivas do seu universo simbólico. Recorre a essa experiência da cidade como sequências existenciais – ali constrói o seu espaço referencial, ali parece inventar um território, ali pretende constituir uma extensão estética e espacial em uma dimensão mais ampla.

 

Sua pesquisa por novos materiais e acabamento bruto aparece nas suas pinturas mais recentes, ao problematizar a superfície da tela com uma espessa madeira compensada, uma parte aparente e a outra preenchida com os seus gestos pictóricos beneficiados pelo seu fascínio pela geometria, produzindo verdadeiras equações visuais. São pinceladas turbulentas ou gestuais amplas, que tangenciam a tridimensionalidade. A pulsação do movimento e do contramovimento cria uma desarticulação entre superfícies ambíguas, demonstrando sua grande versatilidade ao explorar simultaneamente diferentes técnicas e novos caminhos.

 

A sua órbita poética traz influências da linguagem contundente da pop art e das conexões estéticas das paletas cromáticas e gestuais de Jean-Michel Basquiat, Cy Towmbly, Antoni Tàpies e Christopher Wool, e flerta com o ideário construtivo presente em Amílcar de Castro e Mira Schendel.. As diversas modalidades da impregnação cromática vão emergindo, e saturam o plano da superfície por meio de formas expansivas, plenas de geometrias. Mas é na sua pintura que encontramos os acordes do seu campo de ação, indicativos de uma força integradora de suas investigações estéticas, ao equilibrar cores, formas e volumes num mosaico de pinceladas rítmicas que trazem à tona as assimetrias do mundo e sinalizam a realidade com suas fissuras, tensões e enigmas a serem decifrados.A maior parte de suas esculturas remete ao corpo humano. Quase orgânicas ou híbridas, formam um conjunto de trabalho, por vezes, como  elementos seriados. Apresentam combinações visuais surpreendentes e, na sua inquieta emergência, parecem nos interrogar, na sua estrutura transitória, sobre o seu sentido e a sua direção.

 

O trabalho de Antonio Bokel vai estabelecer um elo entre o coletivo, que está ali sendo capturado na vida urbana e a subjetividade do artista, um enxergar por frestas de luz, o ritmo da ordem preestabelecida, esse universo anônimo que se constrói e reconstrói, presente nas organizações humanas. Sua produção é indicativa de uma tensão visual e provoca diferentes nuances nas suas reivindicações estéticas, que despertam conhecimento, diferenças e contradições no público em geral.

 

Vanda Klabin é cientista social, historiadora e curadora de arte. Nasceu, vive e trabalha no Rio de Janeiro.